Meu Livro

TRECHOS DO LIVRO QUE ESTOU ESCREVENDO:

É lógico que etnia e nacionalidade são coisas diferentes.

Chegará o dia em que o Brasil estará totalmente miscigenado. Esse é um processo natural e importante para o país.

Quando esse dia chegar, raramente encontraremos pessoas com a pele muito clara ou muito escura, por exemplo. Seremos uma mistura de todos os povos que recomeçaram suas vidas aqui.

Mas o que restará da cultura desses povos, para que a importância de cada um deles nunca seja esquecida? Refiro-me a algo que possa ser facilmente percebido.

Preservar prédios antigos e construir novos no mesmo estilo parece ser uma boa ideia. Um ótimo exemplo é a cidade de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. Não há dúvida de que Nova Petrópolis foi fundada principalmente por imigrantes alemães. Ela sempre será uma referência nesse sentido e, por isso, atrai tantos turistas — enquanto outras cidades, que também poderiam aproveitar genuinamente esse diferencial, acabam sendo apenas pontos de passagem.

Nova Petrópolis escolheu ser mais do que apenas um município pequeno e bonito do interior do Brasil, como tantos outros. A cidade decidiu não renegar sua origem e, com isso, ganha cada vez mais destaque no turismo nacional.

PRÉDIOS ANTIGOS

É sempre uma grande contradição quando não preservamos ou restauramos os prédios antigos que ainda restam nas nossas cidades, pois, todos os anos, milhares de pessoas que vivem em regiões colonizadas por imigrantes alemães viajam para lugares históricos, justamente para tirar fotos em frente a construções antigas.

PAISAGISMO

O paisagismo também ajuda a compor o cenário que muitos turistas esperam encontrar ao visitar regiões marcadas pela colonização alemã. O sucesso dos plátanos que margeiam as rodovias da Rota Romântica comprova essa expectativa.

Naturalmente, as florestas nativas têm um valor muito maior para nós, brasileiros. Mas a preservação da Mata Atlântica em nada depende das palmeiras decorativas que enfeitam as rótulas e avenidas de pequenas cidades.

TRADIÇÃO

Quando apreciamos certas tradições e temos antepassados de diferentes origens, podemos escolher os costumes com os quais mais nos identificamos.

Mas será que muitos não estão repetindo as tradições que pertencem aos antepassados de outras pessoas, circulando por aí apenas “fantasiados", especialmente no Rio Grande do Sul?

Até mesmo o turismo do estado perde força quando todas as culturas presentes são colocadas sob um único rótulo.

DIFERENCIAL

Pomerode talvez passasse despercebida se estivesse localizada na Alemanha. Mas, aqui no Brasil, destaca-se como a cidade mais alemã de um país com mais de 200 milhões de habitantes.

Cidades como Dois Irmãos e Morro Reuter também são o mais próximo da Alemanha que a maioria dos brasileiros chegará. Poderiam explorar ainda mais este potencial para atrair turistas.

DESCENDENTES

O número de descendentes de imigrantes alemães no Brasil é muito maior do que se imagina. Não é necessário falar o idioma ou assinar um sobrenome tipicamente alemão — basta ter um ancestral de origem alemã.

HOCHDEUTSCH

É possível aprender o alemão padrão, Hochdeutsch, em muitos países do mundo, mas somente os descendentes de imigrantes e as pessoas que convivem diretamente com eles aprendem os dialetos germânicos falados no Brasil.

DIALETOS

Os dialetos falados pelos descendentes de alemães tendem a ficar apenas na memória, em documentários e livros — tomara que respeitando as regras da escrita do alemão padrão, sem trocar o 'SCH' por 'X', por exemplo. Felizmente, há professores de Hochdeutsch no Brasil, inclusive em escolas públicas.

PATRIMÔNIO BRASILEIRO

Vale lembrar que a cultura trazida pelos imigrantes alemães também faz parte do patrimônio nacional, ou seja, pertence a todos os brasileiros.

ALEMANHA

A Alemanha sempre poderá ser uma referência cultural para as regiões colonizadas por imigrantes alemães, especialmente aquelas que investem em turismo. No entanto, o que realmente importa é a história das pessoas que tomaram a difícil e acertada decisão de buscar um lugar melhor para viver com suas famílias, considerando tudo o que aconteceu na Europa nos últimos 200 anos.

DOIS IRMÃOS E MORRO REUTER

A emancipação não deveria romper o vínculo histórico que Morro Reuter tem com Dois Irmãos.
O primeiro morador de Morro Reuter, Mathias Mombach, chegou justamente em 1829 — antes mesmo do primeiro Kerb de São Miguel. Ou seja, Morro Reuter provavelmente comemorou o Kerb junto com Dois Irmãos por mais de 150 anos.

Nasci e sempre morei em Dois Irmãos, mas sou filho de morro-reutenses. Parte dos meus bisavós viveu em Morro Reuter e a outra parte, em Dois Irmãos.
Sou descendente dos Wiest, de Morro Reuter, e de Anton Kieling, cuja lápide está, inclusive, no museu histórico de Dois Irmãos.

O Kerb de São Miguel, na minha família, era celebrado tanto em Dois Irmãos quanto em Morro Reuter.

OVIDIO HILLEBRAND

Eu queria muito aprender inglês quando era adolescente e comecei a ter aulas toda semana. Certo dia, minha professora de inglês disse que o alemão falado em Dois Irmãos era o "alemão errado" e, logicamente, eu não gostei do comentário. Decidi que faria aulas de inglês e alemão em outro lugar. Mas onde encontrar um professor dos dois idiomas?

Meu primo, Ariel Deimling, estudava no colégio Bom Pastor, em Nova Petrópolis, e durante a semana ficava hospedado na pousada Binenfreund, do professor Ovidio Hillebrand. Comentei com ele que queria estudar inglês e alemão, e o Ariel conhecia a pessoa certa.

Lembro muito bem do meu primeiro dia de aula. Marcamos de nos encontrar na Biblioteca de Nova Petrópolis, mas a aula seria na pousada Binenfreund. Cheguei cedo e precisei esperar o professor Ovidio, que ainda estava dando aula para outros alunos. Enquanto aguardava na biblioteca, tive pela primeira vez acesso a materiais ilustrativos sobre as regiões da Alemanha de onde vieram os imigrantes.Depois que o professor chegou, permitiram que eu levasse algumas revistas com fotos e mapas de cidades do Hunsrück.

O professor Ovidio também era apicultor, o que explica o nome da pousada. Tive muitas aulas de inglês indo ver as abelhas em diferentes lugares de Nova Petrópolis. Também havia café colonial durante as aulas, servido na cozinha da pousada Binenfreund.

Foi o professor Ovidio quem me ensinou que o alemão padrão pode ser aprendido em qualquer lugar do mundo, mas que o dialeto — aquele “alemão errado” de Dois Irmãos — normalmente só aprende quem é descendente de imigrantes. Quando comentei que Nova Petrópolis me parecia diferenciada em relação a outras cidades colonizadas por alemães, o professor Ovidio me lembrou da importância de Dois Irmãos e Morro Reuter, dizendo que foi ali, na nossa região, que toda essa história que tanto me interessava começou.

Certa vez, fiquei envergonhado com o meu nível de inglês diante de um grupo de jovens que havia morado na Inglaterra e estava visitando a pousada Binenfreund. O professor Ovidio apenas disse que eu deveria conversar tranquilamente, pois a responsabilidade de falar o melhor inglês não era minha nem dele, mas de quem havia morado na Inglaterra.

Durante uma visita ao colégio Bom Pastor, o professor Ovidio combinou comigo que fingiríamos que eu era inglês. Por isso, naquele dia, eu não poderia falar português e deveria me comportar como um estrangeiro.Tenho certeza de que ele combinou o mesmo com as pessoas do colégio. Disse a todos que eu era seu aluno e que deviam fingir que acreditavam que eu era inglês.

Ele tinha um senso de humor único e era uma pessoa muito especial.

Terá um capítulo inteiro sobre o professor Ovidio Hillebrand no meu livro.

Vá em paz, professor, pois aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.

O KERB DE CADA GERAÇÃO

O Kerb de São Miguel mudou muito desde 1829 e pouco se parece com o Kerb que é feito atualmentena Alemanha. Há uma grande diferença cultural entre o Brasil e a Alemanha, mas não é só isso.

Cada geração teve, ao menos, um grupo de pessoas que decidiu o que era mais ou menos importante. Escolheram o local da festa, a música que seria tocada e quem teria destaque, muitas vezes baseando-se no próprio gosto, em vez de estudar e buscar referências na tradição.

Os historiadores, aqueles que não são pagos para contar a história conforme a vontade desses grupos, costumam corrigir esse tipo de distorção, mas isso pode levar muito tempo.

CAMINHÕES NO KERB

Há Kerb até em Frankfurt, mas a tradição é mais comum em pequenas cidades de algumas regiões dos estados alemães de Hessen e Rheinland-Pfalz.

Carretões com bebidas e música, empurrados por pessoas ou puxados por tratores, são presença frequente nos grupos de Kerb na Alemanha. Conhecidos também como Kerbwagen, esses carretões fazem parte da tradição do Kerb na Alemanha há muito tempo.

Em Dois Irmãos, já houve vários caminhões fazendo algo parecido. No entanto, restou apenas um Bierwagen. Os demais acabaram proibidos, uma decisão considerada necessária, embora lamentada por muitos.

Curiosamente, o Kerb em Ivoti chegou a reunir 17 caminhões na edição realizada em 2025.

VIAGEM À ALEMANHA

A saga dos imigrantes alemães sempre me interessou mais do que a história da Alemanha, mas eu precisei conhecer melhor a terra dos meus antepassados para entender alguns detalhes importantes da imigração. E não fiz isso sozinho, mas muito bem acompanhado da Sandra, Patrícia, Christina e do Lauri Altenhofen.

Voamos até Frankfurt e seguimos direto para o Palatinado (Pfalz), região de onde vieram muitos imigrantes para o Brasil. Dormimos a primeira noite na pousada de uma vinícola, em Sponheim. No dia seguinte, fomos levados de carro até Bingen am Rhein para um passeio de barco pelo rio Reno. No caminho até Bingen, passamos por vilarejos com placas anunciando festas de Kerb. Bebemos Kölsch durante todo o passeio de barco, que terminou em Koblenz, onde pegamos um trem para conhecer a catedral em Köln.

Voltamos de trem para a casa da família Mann, em Freudenberg. Alugamos um carro nos arredores de Siegen e seguimos para Bremen, Hamburg, Berlin, Dresden, Füssen, München, Heidelberg e Rothenburg ob der Tauber, entre outras cidades que conhecemos ao longo do caminho.

Muitas coisas na Alemanha pareciam familiares, mas senti falta do Brasil. Não exatamente do samba ou do carnaval. Talvez da praia e da caipirinha. A saudade mesmo foi de Dois Irmãos e do Birkenthal, em Morro Reuter, lugares onde eu vivo a minha história e onde moram as pessoas que amo.

NEUER HUNSRÜCK

Foi com a intenção de criar um novo clube festivo de futebol que fundei — with a little help from my friends — o Neuer Hunsrück, em 2003, sete anos antes da fundação da cervejaria homônima. O escudo do clube era o brasão de Simmern, cidade localizada na região do Hunsrück, de onde vieram muitos imigrantes alemães para o Brasil.

Eu já não conseguia mais jogar futebol por causa de uma lesão no ligamento cruzado do joelho direito e, aos poucos, o time foi definhando.

Lembro do dia em que estávamos usando camisetas do Neuer Hunsrück no Kerb de São Miguel, e alguns integrantes de outro clube festivo — com forte influência do futebol inglês — debocharam de nós, dizendo que éramos um time de colonos. Achei injusto, pois a nossa camiseta era muito bonita e, para quem não conhecia a Bundesliga, poderia até ser confundida com a de um clube profissional da Alemanha. O nome era legal, e o escudo trazia até os losangos azul e branco típicos da Baviera — assim como o do Bayern München, um dos maiores clubes de futebol do mundo.

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